ALGUMAS
«NUANCES» DA LEI AUTORAL
Por Isabel Gouveia
Esta exposição, embora consista num estudo sumaríssimo sobre algumas nuances da lei autoral, tem origem num
caso concreto. Para compreensão do leitor, sou obrigada a descrevê-lo. Assim,
em Março de 2014, uma senhora cujo nome civil não importa publicou, através da “Chiado
Editora”, um livro alegadamente biográfico, com o pseudónimo Isabel Gouveia,
nome com o qual tenho assinado a minha obra literária desde 1962. O conteúdo
erótico-pornográfico de tal livro, intitulado “Confissões de uma Mulher
Casada”, deu-lhe jus a uma bolinha vermelha, dentro da qual se lia “Proibido a
menores de 18”.
A autora desse livro não teve dúvidas em utilizar como pseudónimo o meu
nome Isabel Gouveia, e a Editora também não teve nenhuma relutância em o
editar, distribuindo-o e publicitando-o precisamente com esse nome, pelo menos
até Julho de 2014, apesar de já ter realizado comigo um contrato editorial que,
por razões puramente logísticas, teve que ser rescindido. Nessa data (Julho de
2014), casualmente, foi descoberta a fraude, verificando-se que algumas
livrarias online até engordavam a publicidade com a minha
biografia. E houve também algumas empresas que fizeram a propaganda do livro na
Internet, com uma sinopse bem elucidativa do seu conteúdo picante, denunciando procedimentos socialmente reprováveis, pelos
quais a autora nunca se prestou a dar a cara.
Alarmada com o facto, e com a nítida violação do artigo 29.º, nº 1, do
Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, lavrei imediatamente o meu
protesto. A Editora, embora com muita relutância, decidiu por fim retirar do
mercado o livro com o nome Isabel Gouveia. No entanto, teimou em fazer uma alegada reimpressão
em nome de Isabel M. Gouveia, apesar de eu discordar desse procedimento.
Logo à partida, era duvidosa uma tal reimpressão, em que se acrescentava o nome da autora do livro com a
introdução da abreviatura M. De facto, com esse procedimento só se pretendeu
dar a aparência de uma alteração que não houve. O nome Isabel Gouveia provém de
Isabel Mendes Gouveia, que é um nome genuíno, adquirido em 1954, por casamento
com alguém de apelido Gouveia, tendo mesmo servido de base a um endereço
electrónico. Além disso, na publicidade sobre o famigerado livro continuou a
confusão. Em alguns casos, se a sinopse passou a referir Isabel M. Gouveia, a
verdade é que a foto de capa não foi alterada e manteve sempre Isabel Gouveia.
Com referência a essa providência cautelar, que foi requerida em fins
de Agosto de 2014, esclarece-se que só veio a ser julgada em 9 de Fevereiro de
2015… Isto aconteceu por motivos vários, alguns dos quais não são da
responsabilidade do tribunal nem das requeridas, mas a demora foi sobretudo devida ao crash que se verificou no programa
informático CITIUS do Ministério da Justiça. Porque a
morosidade dos tribunais não aconselhava a continuação do processo, o mesmo
terminou com um "mau acordo" para a requerente (eu própria), mas que constituiu um alívio para as requeridas
nessa providência cautelar, ou seja, a autora do livro e a Editora que o produziu.
Essa Editora fez tudo para se demarcar do terreno da culpabilidade,
alegando que só lhe compete corresponder às pretensões dos autores. Como se
depreende, a meu ver, a evolução do modus
faciendi de certas editoras nem sempre tem sido positiva, já que a
faculdade de aceitar ou rejeitar a edição deve nortear o seu procedimento,
mesmo que seja nocivo do ponto de vista económico…[1]
Uma editora é uma ponte lançada entre o livro, as livrarias, o público, e
também as entidades que fazem a propaganda. Justifica-se, pois, que seja
penalizada se não cumprir como deve com as suas obrigações.
E aqui é que bate o ponto.
Existem vários tipos de usurpação
de direito de autor expressamente previstos no artigo 195.º do Código do
Direito de Autor e dos Direitos Conexos, a que corresponde, segundo o artigo
197.º, uma pena de prisão até três anos e multa de 150 a 250 dias, de acordo com
a gravidade da infracção. Nesses casos, a própria negligência é punida com uma
multa de 50 a 150 dias. Mas também pode acontecer outro tipo de usurpação que literalmente não está
descrita nesses citados artigos. Trata-se de alguém utilizar, para publicar
livro seu, um nome literário igual ou semelhante ao nome de outro autor com obra feita e divulgada através dos
meios de comunicação social, nomeadamente a Internet[2].
Se, porém, tal acto de usurpação aliar à propaganda do livro a
referência ao currículo do autor cujo nome foi usurpado, entendemos que, por
via analógica ou por maioria de razão, passa a estar mesmo abrangido pela
previsão legal dos citados artigos 195.º e 197.º. Além disso, ainda que não
exista tal apropriação do currículo alheio, através da junção deste à
propaganda do livro, é evidente que se verifica sempre um atentado ao direito
moral que todo o autor possui de exigir respeito pela integridade e
genuinidade, não só de cada peça que compõe a sua obra, como também da
totalidade da mesma, que não deve ser infiltrada com elementos espúrios,
sobretudo se afectarem a sua honra e consideração.[3]
É claro que, segundo o nº 4 do artigo 29.º do mencionado Código, o acto
de apropriação de um nome literário confere o direito de requerer as
providências cautelares adequadas para neutralizar os seus efeitos perniciosos.
Mas, por circunstâncias várias, com especial relevo para o deficiente
funcionamento da justiça, as providências podem não surtir os efeitos
desejados. Tais actos de apropriação, além do que atrás foi dito, também
poderão ser punidos pelo disposto no próprio Código Penal, relativamente aos
“crimes contra a honra”, quando ofensivos da honra e consideração do autor cujo
nome foi usurpado.
Resumindo esta exposição que partiu de um caso concreto, entendo, pois,
que é legítimo concluir o seguinte:
A usurpação de nome literário, ainda que não tenha
havido dolo, constitui, pelo menos, um acto de negligência grave[4],
susceptível de punição dos agentes que o praticaram. Esta punição deve ser
agravada no caso de o livro espúrio ter um conteúdo que fere a honra e
consideração do titular do nome usurpado. A gravidade aumenta ainda
substancialmente se a propaganda for acompanhada do seu currículo biográfico ou
biobibliográfico, porque, nesse caso, é solidificada a convicção de que tal
livro pertence mesmo ao titular do nome usurpado.[5]
[1] De notar que, hoje, a
maior parte dos livros é publicada em regime de co-autoria.
[2] V. artigos 27.º e seguintes
do mencionado Código, máxime artigo
29.º.
[3] V. artigos 9.º, nºs 1 e 3,
27.º, nº 2, 56.º, nº 1, 198.º, alínea b) do mencionado Código, e 6-BIS da Convenção
Universal Sobre Direitos de Autor.
[4] Para saber se existe nome
igual ou semelhante basta recorrer à Biblioteca Nacional e à Inspecção-Geral
das Actividades Culturais – IGAC.
[5] Neste trabalho não foi
observado o recente Acordo Ortográfico.
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